Passar para o Conteúdo Principal
Facebook Youtube adicionar aos favoritos RSS Partilhar imprimir

Logotipo Centro de Arte Graça Morais

História

imagem

O Solar dos Vargas

O Solar dos Vargas é um dos belos exemplos arquitectónicos apalaçados setecentistas. Esta casa solarenga, que frequentemente se pode encontrar no Norte do país, exibe, em todos os seus pormenores, o tipo de arquitectura do género em Portugal nos finais do séc. XVII e começo do séc. XVIII. Antiga residência da família Vargas, que conta entre os seus ancestrais, homens da política nacional e negócios, médicos e professores ilustres de Bragança, localiza-se em pleno centro histórico da cidade de Bragança (Praça da Sé), na Rua Abílio Beça, nº105.

O seu último residente e proprietário foi o Dr. Diogo Albino de Sá Vargas, antigo professor do Liceu Passos Manuel, em Lisboa. Natural de Bragança, filho do Dr. José Marcelino Sá Vargas e de D. Maria Augusta Pereira de Castro Sá Vargas, faleceu em 12 de Março de 1939, na capital do país.

Este homem de vasta cultura e paixão pelas artes e letras doou em testamento cerrado, em 13 de Outubro de 1936, o seu vasto património e espólio familiar a diversas instituições do concelho e distrito como o Museu Militar e Santa Casa da Misericórdia de Bragança e Macedo de Cavaleiros.

Detentor de uma excelente biblioteca, que na ocasião da sua morte estava repartida entre Lisboa e Bragança, e de uma importante colecção de objectos em prata e móveis antigos, legou estes bens à Biblioteca e Museu Regional de Bragança com a obrigação de se declarar pertencerem à Família Vargas. Também ao Hospital de Macedo de Cavaleiros impôs, no seu testamento, a obrigação de instituir no Liceu Emídio Garcia um prémio anual de trezentos escudos (valor hoje irrisório, mas que na altura era significativo), em memória de seu pai, que foi reitor desse mesmo liceu para ser atribuído ao melhor aluno do último ano.

O imóvel da família Vargas, que passou a ser pertença da Santa Casa da Misericórdia de Bragança – entre outros bens deixados por óbito a esta instituição de caridade pelo Dr. Diogo Sá Vargas – acabaria por ser avaliado pelos Louvados em 72.000.

O edifício setecentista foi posto à venda em praça pública com uma base de licitação de 249.000, tendo sido arrematado pelo Banco de Portugal na pessoa do seu Director Dr. José António Furtado Montanha, representado no acto por procuração, no valor de 250.000.

Antes mesmo da intervenção e adaptação para sede do Banco de Portugal, o solar tinha já sofrido algumas alterações estruturais na frontaria, mormente na adaptação do seu rés-do-chão para fins comerciais, tendo então sido substituídas as janelas por portas sem estilo, acabando por destoar no conjunto deste emblemático edifício.
Na transformação projectada para Banco de Portugal, uma intervenção da autoria do arquitecto Manuel da Rocha Casquilho, teve-se em conta a traça primitiva do antigo solar, repondo-se as antigas janelas à face do chão e na prumada das varandas do 1º andar, procurando valorizar-se a fachada principal seguindo os padrões originais da época. De referir ainda o arranjo dos espaços interiores no hall de entrada e gabinete dos agentes, no rés-do-chão.

Antes mesmo do início das obras, o Banco de Portugal, com sede em Lisboa, na Rua do Comércio, requereu à Câmara Municipal de Bragança a licença para a execução das mesmas em 13 de Maio de 1943. Do cálculo efectuado nos serviços de Taxas e Licenças a aplicar nas obras, em função do prazo de 18 meses e da superfície de 1200m2, resultou a quantia de 5.562$50.

Alda Berenguel

Primeiros proprietários – Os Veiga Cabral

No local onde se situariam as casas de morada de Sebastião da Veiga Cabral viria a ser erguida, no segundo quartel do século XVIII, a nova casa de família. De gosto tipicamente oitocentista, de fachada linear e harmoniosa na qual se rasgam várias janelas-portada, a casa, de dois pisos, situada na então conhecida por Rua de Trás e com comunicação para a Rua Nova, teria sido mandada edificar por Francisco Xavier da Veiga Cabral e Câmara, filho do referido Sebastião da Veiga Cabral e de sua terceira mulher D. Maria de Figueroa. Foi Sebastião da Veiga Cabral o primeiro desta família que se estabeleceu nesta cidade, dando origem a um tronco familiar de grande notoriedade no campo bélico, eclesiástico e social. Nascido em Lisboa, foi Mestre de Campo (1691), General de Artilharia (1700) e veio a ocupar o cargo de Governador das Armas da Província de Trás-os-Montes. Através dos seus matrimónios estabeleceu alianças com a principalidade de Bragança. Do seu primeiro matrimónio com D. Maria de Castro e Morais, liga-se aos Morais, de Tuizelo e Vinhais; do seu segundo casamento com D. Mariana de Mariz Sarmento, nasce a união aos Figueiredo Sarmento, Alcaides-mores da cidade. Com D. Maria de Figueroa, sua terceira consorte, reata ainda mais esta ligação familiar pelo parentesco desta com a família de sua segunda mulher.

O referido seu filho Francisco Xavier da Veiga Cabral e Câmara, primeiro proprietário do actual edifício, nasceu em Bragança em 9 de Dezembro de 1690, cidade onde também faleceu em 18 de Dezembro de 1761. Tal como seu pai, seguiu a carreira das armas, serviu como Governador das Armas das Províncias de Trás-os-Montes e Minho e foi Marechal de Campo. Fidalgo da Casa Real, Comendador de Nossa Senhora da Conceição e de Santa Maria de Deilão, São Bartolomeu de Rabal e Almas de Baçal, na Ordem de Cristo. A primeira referência que dele se encontra surge no Decreto de 26 de Novembro de 1704 em que lhe é dada a confirmação de Ajudante de Mestre de Campo Geral da Província de Trás-os-Montes. Posteriormente, a 8 de Agosto de 1735 e servindo já como Sargento-Mór, é promovido a Coronel do Regimento de Chaves. Pelos relevantes serviços prestados foi promovido a Sargento-Mór de Batalha em 12 de Janeiro de 1754, posto posteriormente designado como Marechal de Campo em virtude do Decreto de 5 de Abril de 1762. Em 5 de Novembro de 1731 casa com D. Rosa Joana Gabriela de Morais Pimentel, da Casa do Arco em Bragança, unindo-se, assim, a uma das famílias mais antigas da cidade. D. Rosa Joana nasceu na referida Casa do Arco, em 8 de Fevereiro de 1718, e faleceu a 4 de Junho de 1793, sendo filha de Domingos de Morais Madureira Pimentel, Fidalgo da Casa Real e Familiar do Santo Ofício, Comendador de São Pedro de Babe na Ordem de Cristo, senhor do morgadio do Arco e do Padroado de São Francisco em Bragança, e de sua mulher D. Luísa Caetana da Mesquita Pinto, natural de Mirandela, da casa dos morgados de São Tiago. Por morte de seu irmão José Manuel de Morais Pimentel, sem sucessão, sucedeu-lhe a mesma D. Rosa Joana no morgadio do Arco e demais senhorios de seus pais. Deste modo, a casa dos Veiga Cabral ficará intimamente ligada à casa do Arco.

Do casamento do Marechal Francisco Xavier da Veiga Cabral com D. Rosa Joana Gabriela de Morais Pimentel nasceriam dezoito filhos, entre os quais merecem destaque Francisco António da Veiga Cabral e Câmara, 1ºVisconde de Mirandela (13 de Maio de 1810), Marechal de Campo (1781), Tenente-General (1792) e Governador da Índia (1794 a 1807), nascido em 10 de Setembro de 1733, falecido no Rio de Janeiro a 31 de Maio de 1810, sucessor na casa de seus pais e demais morgadios; Sebastião Xavier da Veiga Cabral, Marechal de Campo (1791), Tenente-General (1796) e Governador da Capitania do Rio Grande do Sul (Brasil), nascido em 22 de Julho de 1742, falecido no Brasil; e Dom António Luís da Veiga Cabral e Câmara, 27º Bispo de Miranda e 3º de Bragança (1793 a 1819), nascido em 10 de Setembro de 1758, falecido em São Salvador (Mirandela) a 13 de Junho de 1819.

Na falta de sucessão de seus irmãos viria a ser herdeira das casas nobres da Rua de Trás e de todos os outros bens do casal, D. Joana Francisca Josefa da Veiga Cabral e Câmara, nascida em Bragança em 1758, falecida na sua casa do Arco a 14 de Outubro de 1819. Feita 2ªViscondessa de Mirandela, em verificação da segunda vida, em 13 de Maio de 1815, foi Comendadeira de Santa Maria de Bragança, Baçal e Santa Maria de Pena Águia no Bispado de Lamego.

Casou a 17 de Janeiro de 1803 com António Doutel de Almeida, nascido em Lamego em 23 de Abril de 1775, Brigadeiro do Exército, Comendador da Ordem de Cristo, depois Visconde de Mirandela no Brasil em 19 de Dezembro de 1822, filho de António Venceslau Doutel de Almeida, Governador de Chaves e das Armas da Província de Trás-os-Montes, Fidalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de São Bento de Avis, senhor dos morgados de Bragança e dos Eixes, e de sua mulher D. Maria Joaquina de Morais Madureira Sarmento, da casa de Parada.

A falta de sucessão da última representante dos Veiga Cabral em Bragança e a administração dos inúmeros bens de família estão certamente na origem da venda que a Viscondessa de Mirandela fez em 1814 das casas da Rua de Trás a José de Sá Carneiro Vargas que passa assim a ser o seu novo proprietário.

Os Sá Vargas – novos moradores
A Casa, agora conhecida como Sá Vargas, assim como as propriedades e restantes bens que seriam prazo da antiga Casa Veiga Cabral são alienados a muitos particulares, com especial relevância para a compra efectuada por José de Sá Caneiro Vargas que, tal como vimos, procedeu à sua aquisição ainda em vida da Viscondessa de Mirandela, no ano de 1814.

José de Sá Carneiro Vargas nasceu em Bragança em 18 de Dezembro de 1761, cidade onde também faleceu a 29 de Janeiro de 1824. Oriundo de uma família de cristãos-novos, abastados negociantes que granjearam grande notoriedade em particular no negócio da seda, foi Vereador da Câmara e Capitão de Ordenanças em Bragança. Opulento homem de negócio e grande proprietário, contribui com 500 alqueires de centeio e doze fardamentos nos donativos feitos pelos habitantes da cidade de Bragança e seu distrito para a luta contra os Franceses em 1809. Em 9 de Setembro de 1814 recebeu carta de brasão de armas de Sás, Vargas, Henriques e Costas. Estas armas podem ser vistas no quadro a óleo do Conselheiro Sá Vargas assim como em muita da prataria que faz hoje parte do espólio do Museu Abade de Baçal em Bragança. Foram seus pais Álvaro Carneiro Henriques, homem de negócio e proprietário, natural de Bragança, e Luísa Angélica, natural de Vinhais. Casou com Dona Maria Joaquina Rosa de Campos, natural da vila de Murça, filha de Henrique José da Silva e de sua mulher Dona Antónia Luísa de Campos, de origem cristã-nova.

Os filhos de José de Sá Vargas não nasceriam, no entanto, na casa da Rua de Trás, mas sim na primitiva habitação familiar da Rua Direita, tendo-se mudado para aquela pelos finais do primeiro quartel de Oitocentos, possivelmente depois de algumas obras de remodelação a que a casa foi sujeita para albergar a numerosa família então composta pelos progenitores e seus filhos e pelo irmão de José de Sá Vargas, João de Sá Carneiro Vargas, que fora Juiz de Fora de Bragança.

Entre os seus filhos merecem especial destaque três - António Júlio, José Marcelino e Diogo Albino de Sá Vargas – figuras de relevância na cena política e jurídica da sociedade portuguesa de Oitocentos.

José Marcelino de Sá Vargas, nascido em Bragança em 14 de Agosto de 1802 e falecido em Lisboa a 26 de Agosto de 1876, foi Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra (1822), Presidente da Câmara dos Deputados e Deputado nas Legislaturas de 1836, 1840, 1848 e 1861, Par do Reino, Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça (1849), Ministro de Estado Honorário (1850), da Marinha e Ultramar (1860) e da Justiça (1871). Foi ainda Corregedor (1834) e Juiz de Direito em Bragança (1835), Lisboa (1841) e das Relações do Porto (1843) e Lisboa (1855). Teve um papel fulcral na manutenção da sede de distrito em Bragança, contrariamente ao proposto por Joaquim Ferreira Pontes, em 1849, e posteriormente por João Pedro de Almeida Pessanha que salientavam a necessidade de redução a dez do número de distritos administrativos do continente, formando um deles a província de Trás-os-Montes com sede em Mirandela. Do mesmo modo, Bragança deve-lhe, enquanto Ministro dos Negócios Eclesiásticos, a manutenção da sua diocese que então se encontrava vaga. O seu elevado sentido de responsabilidade fica claramente exposto na proposta de lei que apresentou em Maio de 1850, regulando a sucessão dos filhos naturais, documento de grande alcance social e elevada abrangência.

António Júlio de Sá Vargas, outro dos filhos de José de Sá Carneiro Vargas, nasceu em Murça, em casa de seus avós maternos, em 2 de Fevereiro de 1811 e veio a falecer no Lombo (Macedo de Cavaleiros) a 22 de Outubro de 1880. Bacharel formado em Direito em 22 de Junho de 1837, foi Delegado do Procurador Régio e Juiz de Direito. Por decreto de 28 de Agosto de 1845 foi nomeado Delegado da Comarca de Chacim, cargo de que foi exonerado, a seu pedido, por decreto de 15 de Março de 1854. É provável que o pedido de demissão fosse motivado pela supressão então da comarca de Chacim, em cuja área, na povoação do Lombo, António Júlio tinha um grande casal, de que não quereria separar-se, e também como forma de protesto. De sua autoria conta-se uma Memória acerca de Balsemão (Bragança, 1859).

O último dos filhos varões de José de Sá Carneiro Vargas e que a seu pai sucedeu na casa da Rua de Trás foi Diogo Albino de Sá Vargas. Gémeo com António Júlio, faleceu em Bragança a 21 de Junho de 1872. Tal como seus irmãos, Bacharel formado em Direito, foi Governador Civil de Bragança, com posse a 1 de Abril de 1871 e nomeação por Decreto de 30 de Março do mesmo ano, Conselheiro de Estado por Decreto de 26 de Dezembro de 1865, Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e da Real Ordem de Isabel, a Católica, de Espanha e Fidalgo-Cavaleiro da Casa Real. Na falta de sucessão de seus irmãos ficou Diogo Albino encarregue da administração da casa que, à sua morte, foi avaliada em 1.500 e à qual havia sido anexada uma outra, contígua, por compra feita aos herdeiros de D. Isabel de Sá Pereira e avaliada em 1.200.

Casou na capela particular da casa de seu pai, a 15 de Outubro de 1851, com D. Emília Augusta de Castro Pereira, nascida em 5 de Março de 1834, filha do opulento negociante da praça do Porto e capitalista José António de Castro Pereira, senhor da casa da Rua Direita onde actualmente se encontra a Direcção de Finanças e do palacete da Rua de Santa Catarina na cidade do Porto, e de sua mulher D. Antónia Margarida Lopes Navarro, irmã do 1ºConde de Lagoaça. Deste seu casamento nasceram dois filhos – José Marcelino e António Emílio – e uma filha, D. Fortunata Augusta de Sá Vargas que foi casada com o Coronel José Alberto Vergueiro, célebre oficial a quem se deve a introdução de alterações nas armas Mauser que passariam a ser adoptadas pelo Exército Português com a designação de Mauser-Vergueiro.

José Marcelino de Sá Vargas passaria, assim, a ser o novo proprietário da casa onde nasceu em 9 de Abril de 1853. Bacharel formado em Direito e grande proprietário, exerceu várias vezes o cargo de Reitor do Liceu de Bragança. Casou a 5 de Fevereiro de 1879 com sua prima D. Maria Augusta Ledesma Pereira de Castro, nascida em Bragança em 21 de Agosto de 1852, filha do Comendador José Carlos Ledesma de Castro, senhor da casa da Rua Almirante Reis, e de sua mulher D. Luísa Augusta Mendes Pereira de quem teve a Diogo Albino de Sá Vargas e D. Fortunata Augusta de Sá Vargas, homónima de sua tia e que viria a casar com o Dr. Francisco José Martins Morgado, médico militar, deputado, professor do Liceu de Bragança e escritor de quem deixou larga geração.

Diogo Albino de Sá Vargas, herdeiro da casa, nasceu em Bragança em 13 de Janeiro de 1882 e faleceu em Lisboa a 12 de Março de 1939. Seguindo a tradição familiar, era Doutor em Direito e foi Deputado da Nação em várias Legislaturas, antigo assistente da Faculdade de Ciências de Lisboa e Professor do Liceu de Pedro Nunes (Lisboa). Tendo falecido sem descendentes, instituiu a Santa Casa da Misericórdia de Bragança como herdeira de grande parte dos seus bens e que, assim, se tornaria a detentora da velha casa dos Veiga Cabral até à sua venda no ano de 1943. A casa serviria como agência do Banco de Portugal em Bragança que aí se manteve até à sua extinção em finais do século passado.

Filipe Pinheiro de Campos