CABO VERDE
O ESPÍRITO DO LUGAR
Entre 1988 e 1989, a convite do então embaixador de Portugal em Cabo Verde, José Fernandes Fafe, Graça Morais realiza, numa prolongada residência artística, um extraordinário corpo de trabalho sobre o arquipélago.
Ao longo de dois anos, a artista viveu o tempo cabo-verdiano para, na essência, trazer à pintura a experiência desse encontro direto com um novo país, outras gentes, outra paisagem, diferentes circunstâncias da condição humana e novos mitos.
Na maioria das suas composições, mais do que a inóspita paisagem, apenas anunciada na paleta de tons quentes de terra e fogo que preenche os planos de fundo, é o retrato que domina a série e, por isso, esta viagem visual pelo arquipélago “é pouco sobre o mar, mas muito sobre as pessoas”.
Aos rostos de mulheres, também aqui as grandes protagonistas, agrega ou sobrepõe instrumentos de trabalho e animais, sejam reais ou frequentemente imaginados, criando composições capazes de, no conjunto, evocarem o espírito do lugar, tocando, muitas vezes, o sentido do sobrenatural e do mágico.
À reconfiguração ou transposição do quotidiano insular, associa ainda a sua dimensão pessoal. A presença de figuras como o elefante, os felinos ou as grandes serpentes, referentes que nada têm a ver com o contexto das ilhas, acentuam o espaço referencial das memórias, numa tentativa de procurar em Cabo Verde a África perdida da infância passada em Moçambique.
Parte do que efetivamente desenha ou pinta vem do visível, mas Graça Morais está sempre muito atenta ao sentido do sobrenatural e do cósmico, aos mitos e aos ecos que lhe chegam da música, da dança ou da oralidade, como a lenda do boi Blimundo.
Também o recurso à palavra escrita constitui a grande novidade no seu processo criativo desta fase, como se o registo caligráfico, onde se misturam o português e o crioulo, sobreviesse aqui, não apenas como forma de complementar o sentido que falta à imagem, mas como elemento capaz de reforçar a estratégia visual para comunicar a frágil fronteira que sustém a vida no arquipélago, tão presente na música e na literatura cabo-verdianas.
A par de um número significativo de pinturas, desenhos, fotografias e objetos aqui reunidos, complementam a presente exposição o documentário As Escolhidas, realizado por Margarida Gil, em 1997, para a RTP, e alguns excertos do diário que Graça Morais escreveu ao longo desta peregrinação em Cabo Verde
Curadoria: Jorge da Costa
Produção: Município de Bragança / Centro de Arte Contemporânea Graça Morais
Colaboração: Centro de Arte Manuel de Brito, Galeria 111, Fundação Paço d'Arcos, Manuel Brito, Acervo Graça Morais e RTP